Jornalismo e Política

segunda-feira, agosto 11, 2008

Evo supera votação de 2005 e ganha força

De acordo com pesquisa de boca-de-urna, presidente da Bolívia conquista 6% a mais de votos que em sua eleição e vê revogação de dois governadores da oposição; no entanto, meia-lua permanece e também sai fortalecida do pleito

Igor Ojeda
Correspondente do Brasil de Fato em Villa Tunari (Bolívia)


O presidente boliviano, Evo Morales, saiu fortalecido do referendo revogatório realizado neste domingo (10). De acordo com pesquisa de boca-de-urna da Unitel, principal rede de televisão do país, 60,12% do eleitorado do país votou por sua permanência, uma porcentagem mais de 6% maior que a obtida nas eleições presidenciais de 2005 (53,74%).

Além disso, dois governadores da oposição, segundo as projeções, foram revogados por ampla margem. O de Cochabamba, Manfred Reyes Villa, teve um rechaço de 66%, enquanto o de La Paz, José Luiz Paredes, foi repudiado por 64,28%.

Manfred era um dos principais nomes da direita boliviana e um forte aliado da demanda pelas autonomias departamentais. Após a divulgação dos resultados, ressaltou, em coletiva de imprensa, o que vinha dizendo anteriormente: que não sai do governo, pois, segundo ele, o referendo revogatório é inconstitucional, por não estar previsto na atual Constituição da Bolívia. Na ocasião, afirmou também que empreendará uma "batalha" jurídica para permanecer no cargo.

O amplo repúdio a Manfred se deveu, principalmente, à votação da área rural do departamento. Nacionalmente, o campo vem apoiando as políticas de Evo Morales, mas o caso de Cochabamba é singular, dado o apoio quase unânime a ele no Chapare, região produtora de folha de coca onde o presidente se projetou politicamente e berço do Movimiento Al Socialismo (MAS), seu partido.

Nas cidades que integram a zona, pode-se observar facilmente tal respaldo. Às vésperas do referendo, bandeiras, faixas e grafites azuis, pretos e brancos (as cores do MAS) adornavam a maior parte das casas e do comércio.

"Evo sempre nos defendeu em relação à questão da terra, as pessoas muito pobres... ele defende a classe de baixo, as pessoas sofridas", diz Edilia Torres Quiroga, que trabalha no setor de hotelaria de Villa Tunari, cidade do Chapare.

Edilia, além de votar a favor do presidente, optou pelo "não" a Manfred. "Ele faz parte do grupo de políticos antigos, que já governaram, e por culpa deles é que estamos assim. Não mudaram a Bolívia".

Alfredo Sorita, dono de um açougue no mercado municipal da cidade, diz acreditar que todos na região estão contra o governador do departamento e favoráveis a Evo, "porque ele está fazendo as mudanças. Está melhorando os colégios, construindo ginásios para as escolas. Depois do referendo, ele terá mais força, vai ser melhor para governar".

Meia-lua segue
A derrota da oposição em Cochabamba e La Paz pode representar a consolidação do "controle" do MAS sobre essas duas regiões caso ganhe as novas eleições, que apresentam grande respaldo a Evo, mas cujos governadores eram contrários a ele.

No entanto, as autoridades opositoras da chamada meia-lua (Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando) também conquistaram sua permanência por boa margem, ainda segundo a boca-de-urna.

Rubén Costas, de Santa Cruz, obteve o apoio de 69,46%; Mario Cossío, de Tarija, 57,83%; Ernesto Suárez, de Beni, 67,72%; e Leopoldo Fernández, de Pando, 57,36%. Tais resultados podem indicar que, embora o governo Evo tenha ganhado força nacionalmente, o impasse político deve permanecer.

De acordo com a pesquisa, em Potosí, o governador Mario Virreyra, do MAS, alcançou o apoio de 70,78%. Já o outro líder regional governista, Alberto Aguillar, de Oruro, corre risco de ser revogado, pois teria obtido um repúdio de 50,81%.

Os dados de Oruro podem gerar interpretações distintas. Isso porque, de acordo com a lei que convocou o referendo revogatório, aprovada pelo Senado boliviano em maio, a porcentagem necessária para revogar uma autoridade deveria superar a atingida nas eleições de 2005. No entanto, segundo a Corte Nacional Eleitoral (CNE), a revogação dos governadores se dará se o "não" representar 50% mais um dos votos válidos (a do presidente permaneceria em 53,74%).

Se o critério considerado for o do Congresso, Aguillar seria revogado (venceu, em 2005, com 40,95%). Porém, se for seguida a interpretação da CNE, é preciso esperar a conclusão da apuração, já que a vitória do "sim" ou do "não" em Oruro está dentro da margem de erro da pesquisa de boca-de-urna. Em relação às demais autoridades, os resultados estariam consolidados qualquer que seja o critério utilizado.

Fonte: Brasil de Fato

terça-feira, agosto 05, 2008

Honduras vai se incorporar à Alba

Para o presidente Manuel Zelaya, os planos de integração promovidos pela Venezuela são uma nova resposta a velhos problemas da América Latina e especialmente da África que não foram solucionados com as atuais estruturas

1º/08/2008

Prensa LatinaTegucigalpa (Honduras)

Alba se constitui como instrumento de intercâmbio para a região

O presidente de Honduras, Manuel Zelaya, assegurou que seu país se transformará em um membro pleno da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba). "Com a Alba se abrem novas oportunidades para o país, para os pobres da região", expressou o presidente na Primeira Cúpula de Ministros de Agricultura do mecanismo integrador Petrocaribe. O encontro foi realizado na quarta-feira (30), neste país.

Zelaya recordou que Honduras faz parte do acordo petroleiro e esteve como observador da iniciativa impulsionada pelo governo do presidente Hugo Chávez, surgida em resposta à proposta estadunidense de criar sob sua hegemonia a Área de Livre Comércio para as Américas (Alca), informou hoje o jornal El Heraldo. Os Estados Unidos também mantêm um Tratado de Livre Comércio (TLC) com países da América Central – acordo conhecido como Cafta, por sua sigla em inglês.

"Mantendo os esquemas tradicionais não sairemos adiante. Esta é uma boa opção, estes são projetos, este é investimento, este é o futuro da América Central e do Caribe", assinalou o governante a respeito dos benefícios do programa Petroalimentos. De acordo com o também Zelaya, os planos de integração promovidos pela Venezuela são uma nova resposta a velhos problemas em quase todos os países da América Latina e, especialmente, da África que não foram solucionados com as estruturas atuais.

Hoje, a Alba reúne quatro nações – Venezuela, Cuba, Bolívia e Nicarágua. Seu princípio é de uma proposta de integração para o continente sedimentada na complementariedade das nações. Idealizada como um contraponto aos Tratados de Livre Comércio (como a Alca), a Alba prioriza acordos nas áreas sociais, como em educação e saúde.

Um dos principais acordos entre os países da Alba é a Operação Milagre, que leva assistência oftamológica às populações sem acesso ao serviço de saúde pública. Estima-se que cerca de 1,2 milhão de latino-americanos e caribenhos já recuperaram a visão por conta da iniciativa. Venezuela, Nicarágua e Bolívia também recebem apoio de Cuba no combate ao analfabetismo. O método cubano Yo, si puedo já foi utilizado por Hugo Chávez. A Venezuela, em 1995, foi declarada país livre do analfabetismo pela Unesco. Agora a Bolívia também persegue esse mesmo objetivo e, em dois anos, o governo Evo Morales reduziu pela metade o número de analfabetos no país.

A solidariedade entre estes países também é um diferencial na proposta de integração. A Venezuela, que detém a quarta maior reserva mundial de petróleo, vende barris às nações que integram a Alba em condições mais favoráveis: prazo de 90 dias para o pagamento de 50%. Dos 50% restantes, 25% teria um prazo de 25 anos para pagar (com dois anos de carência a uma taxa de 2%) e 25% seriam colocados num fundo da Alba para créditos a pequenos projetos.

Venezuela, Cuba, Nicarágua e Bolívia negociam, agora, a constituição do Banco da Alba, uma instituição financeira supranacional que terá o objetivo de financiar projetos de desenvolvimento para os integrantes do bloco.

A Primeira Cúpula de Ministros de Agricultura da Petrocaribe concluiu com a criação de um conselho encarregado de definir a distribuição de 460 milhões de dólares contribuídos pela Venezuela para reativar os setores agrícolas dos países-membros do fórum.

Fonte: Brasil de Fato

Equador notificou aos EUA que deverá abandonar Manta em novembro de 2009

Decisão confirma promessa do presidente Rafael Correa; acordo sobre a base de Manta havia sido aprovado durante o governo do ex-presidente equatoriano Jamil Mahuad, fiel aliado dos EUA

30/07/2008

da TeleSur

O governo do Equador notificou formalmente, terça-feira(29), os Estados Unidos de que deverá desalojar a base militar de Manta em novembro de 2009, data em que se vence a concessão para ocupar este recinto.

O Ministério de Relações Exteriores enviou uma notificação à embaixada estadunidense em Quito e explica a decisão do Executivo de dar por encerrado o “Acordo de Cooperação” bilateral assinado em 12 de novembro de 1999 sobre o uso da Base Militar Eloy Alfaro pelas tropas estadunidenses.

Esse acordo estabelecia o “acesso e uso por parte dos Estados Unidos da América das instalações da Base da Força Aérea Equatoriana em Manta para atividades antinarcóticos”, pontuou um comunicado da Chancelaria. O texto também assinala que em conversações sustentadas previamente com funcionários estadunidenses já se havia acordado que as operações terminariam em agosto de 2009.

“Em conversações mantidas com funcionários estadunidenses se acordou que as operações que se realizam (no posto de Manta), amparadas no mencionado acordo, terminem no mês de agosto de 2009”, acrescenta a notificação. Segundo o acordo, “as instalações do Posto da Avançada estadunidense (FOL, por sua sigla em inglês) serão transferidas à autoridade correspondente da Força Aérea Equatoriana”, detalhou o texto da Chancelaria.

O acordo sobre a base de Manta foi aprovado durante o governo do ex-presidente equatoriano Jamil Mahuad, fiel aliado dos Estados Unidos, cujo mandato encerrou antecipadamente em janeiro de 2000, depois de que aprovara a dolarização da economia equatoriana e em meio a pior crise financeira da história do país.

Cerca de 300 soldados estadunidenses estão instalados na base sobre a costa do Pacífico, de onde patrulham aviões AWACS equipados de radares. A presença do contingente desses militares em Manta gerou, desde a sua instalação, suspeitas de amplos setores sociais do Equador, que asseguravam que o posto servia para apoiar o Plano Colômbia, uma operação militar que Washington mantém com Bogotá sob o pretexto de contribuir para pacificar o país vizinho, em guerra interna há 60 anos.

Além disso, a captura e afundamento, em águas próximas à base, de barcos pesqueiros que transportavam ilegalmente a imigrantes equatorianos para os Estados Unidos, aumentou as críticas sobre o convênio com o gigante norte-americano.

Já o presidente Rafael Correa havia anunciado desde a campanha eleitoral, que o levou ao poder em janeiro de 2007, sua decisão de dar por encerrado o acordo com Washington. Por sua vez, a Casa Branca assegura que respeitará a decisão de Quito e que retirará a seus homens quando chegar o momento.

Fonte: Brasil de Fato

Brasil, Argentina e Venezuela reforçam integração regional

da Efe, em Buenos Aires

Brasil, Argentina e Venezuela deram hoje um novo sinal de unidade com uma minicúpula presidencial em Buenos Aires na qual se propôs relançar o chamado Gasoduto do Sul e incorporar na agenda regional o tema do transporte.

Em um encontro que durou pouco mais de meia hora na sede da Chancelaria, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além dos chefes de Estado da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, e da Venezuela, Hugo Chávez, concordaram em voltar a se reunir no dia 6 de setembro em Pernambuco.

O encontro de hoje foi qualificado de "muito positivo" pelas poucas vozes oficiais que informaram sobre o conteúdo da reunião, entre eles Chávez.

"É o momento de retomar o tema do Gasoduto do Sul, que une Caracas à Buenos Aires, que tinha sido abandonado durante um tempo", ressaltou o presidente venezuelano em declarações à agência estatal argentina Télam.

Chávez falou também da necessidade "de ter conteúdo, com projetos tangíveis" à integração entre os três países.

"Concordamos sobre a necessidade de criar empresas com capital dos três países em setores como o petroquímico e o energético", declarou o venezuelano.

Segundo Chávez, os três governantes concordaram sobre a necessidade de criar "empresas (...) multiestatais, em gás, petroquímica, e outros setores", um tema que será aprofundado na reunião de Pernambuco.

"Ferrovia do sul"
No encontro também foi mencionada a possibilidade de criar uma ferrovia do sul, que ligue Buenos Aires à Caracas.

A embaixadora argentina em Caracas, Alicia Castro, ressaltou a importância de que o tema do transporte tenha voltado a ingressar na agenda regional.

"A possibilidade de que as Aerolíneas Argentinas (controlada pelo grupo espanhol Marsans) fique em mãos do Estado daria a possibilidade de fazer uma aliança com a linha aérea estatal venezuelana (Conviasa) e com uma empresa aérea (...) designada do Brasil, de modo a ter nossas Aerolíneas del Sur", disse à imprensa.

O chanceler argentino, Jorge Taiana, explicou que os presidentes também tiveram a possibilidade de "falar sobre a situação regional e da União de Nações Sul-americanas (Unasul)".

O chanceler Celso Amorim chamou o encontro de "muito positivo" e ressaltou os esforços para promover a integração feita pelos governos dos três países.

A minicúpula presidencial não estava na agenda oficial dos presidentes e, inclusive, rumores indicavam que seria suspensa porque Chávez chegou atrasado à sede da Chancelaria, onde esperavam Cristina e Lula.

Lula tinha chegado no domingo a Buenos Aires, à frente de uma delegação integrada por boa parte de seu gabinete e cerca de 300 empresários.

Fórum empresarial
Lula e Cristina presidiram hoje o maior fórum empresarial binacional convocado em mais de 20 anos de integração bilateral, no qual solicitaram aos homens de negócios que impulsionassem a integração e aprofundassem "a aliança produtiva" entre Argentina e Brasil.

Mais tarde, e antes que Chávez se unisse a eles, Lula e Cristina se reuniram para abordar a situação dos países emergentes perante a situação mundial e para analisar projetos de cooperação.

Sobre isso, a ministra argentina de Defesa, Nilda Garré, confirmou que uma delegação da Embraer visitará a Argentina na próxima semana para avaliar a possibilidade de produzir no país equipamento para um avião de transporte.

A viagem de Lula aconteceu depois das posições divergentes do Brasil e da Argentina sobre a abertura de mercados industriais durante as frustradas negociações da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Depois da reunião trilateral, Lula retornou ao Brasil e Chávez acompanhou Cristina a um ato nos arredores de Buenos Aires, no qual esteve presente o ex-presidente da Argentina Néstor Kirchner (2003-2007), marido da chefe de Estado.

Chávez presidirá amanhã um encontro com cerca de 200 empresários argentinos na sede da Chancelaria e, posteriormente, com Cristina, viajará para Bolívia para se reunir com o presidente boliviano, Evo Morales, na cidade de Tarija.

Fonte: Folha Online

quarta-feira, julho 30, 2008

Pra onde vamos?

Duas crianças morreram à espera de fígados desviados para esquema no Rio, diz PF

LUISA BELCHIOR
Colaboração para a Folha Online, no Rio

O suposto esquema de venda de lugares na fila de transplantes de fígado no Rio, desarticulado na manhã desta quarta-feira na operação Fura Fila, ocasionou a morte de duas crianças que esperavam para receber órgãos, segundo as investigações da PF (Polícia Federal).

As crianças aguardavam por transplantes de fígado que foram desviados para o esquema. O caso foi citado em relatório do Ministério Público Federal entregue à Justiça com a denúncia dos médicos acusados de integrar o esquema, de acordo com a PF.

O ex-chefe de transplantes hepáticos do hospital da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-coordenador do Rio Transplantes, do governo estadual do Rio, Joaquim Ribeiro Filho, é apontado como o chefe do grupo. Ele foi preso em casa, em Laranjeiras (zona sul do Rio). A Folha Online ainda não localizou os advogados dos denunciados.

A PF afirma que Ribeiro Filho desviava fígados que iriam a pacientes no topo da lista de doações e destinava os órgãos a pessoas que pagavam taxas que variavam entre R$ 200 mil e R$ 250 mil.

Nesta tarde desta quarta, a clínica São Vicente, na Gávea (zona sul), onde, segundo a polícia, eram feitos os transplantes irregulares, divulgou nota na qual nega qualquer envolvimento com o caso. O superintendente da PF no Rio, Valdinho Caetano, confirmou que as investigações não encontraram qualquer irregularidade por parte da clínica, que é a única unidade de saúde particular credenciada ao sistema nacional de transplantes.

"A clínica São Vicente apenas participa do processo oferecendo suas instalações hospitalares sempre que solicitada pelas equipes médicas credenciadas ao sistema nacional de transplantes. O doutor Joaquim Ribeiro nunca chefiou equipe de médicos da clínica", diz a nota.

domingo, julho 27, 2008

Realismo ou oportunismo?

O que é possível depreender das duas notícias postadas abaixo, referentes à negociação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, na Suiça, é que o Brasil, cada vez mais, rege suas relações internacionais pelo realismo das negociações, não se importando tanto com as alianças de ontem, focando, sempre, nos benefícios que vai conseguir com cada acordo.

A proposta da OMC de reduzir os subsídios agrícolas dos países desenvolvidos (Estados Unidos e grande parte da União Européia), em troca de uma redução das taxas dos produtos industrializados desses países na exportação às nações em desenvolvimento, alegrou o Brasil, mas apenas o Brasil, do G-20 que o país mesmo criou, para contrapor às vontades dos países ricos.

O G-20 é composto por nações como Índia, África do Sul, Argentina, ou seja, emergentes que almejam uma paridade maior nas negociações para que posssam crescer como seus irmãos do Norte. E esse grupo foi criado para conseguir mais vantagens nas negociações da Rodada de Doha, que há sete anos segue entravada, afinal de contas, se os pobres não queerem abrir para os produtos industrializados dos países ricos, estes não querem fragilizar sua agricultura em nome de um desenvolvimento igualitário.

No entanto, o Brasil gostou da roposta de Pascal Lamy, presidente da OMC, que propõe um meio-termo nas negociações. O mais interessante é que a União Européia não achou nada bom, pois considerou que era concessão demais para pouco retorno. Enfim, ninguém é a favor da abertura de seus pontos fortes do comércio para a entrada de países oponentes, que, senão são vistos como inimigos nas relações internacionais, no campo do comércio são vistos como guerreiros ferrenhos.

E o Brasil, no meio dessa história, conseguiu desagradar a União Européia e, principalmente e mais importante, seus aliados do G-20, que o próprio país ajudou a construir, para barganhar mais vantagens para as nações do Sul. No entanto, esse tipo de atitude, realista e interessante no curto prazo, de aceitar um consenso (tão típica do sindicalista Lula ao longo dos anos de batalha na fábrica e, também, na transformação do PT rumo ao capitalismo), acaba por minar uma aliança Sul-Sul, e se mostra oportunista, por considerar um avanço temporário nas negociações com grandes potências como grande coisa para o povo brasileiro e dos demais "aliados".

Talvez o medo de um embate mais feroz no futuro tenha contribuído para esse aceite. É aquela mentalidade de operário do ABC dos anos 80 "melhor isso do que nada" que reina nas relações internacionais do governo Lula. O engraçado que isso é colocado como uma grande posição brasileira. O problema é que o Brasil só é visto como grande potência por ele mesmo. Nem os países ricos, muito menos os mais pobres, vêem e querem observar o Brasil como um gigante.

Até por isso, esse apoio à proposta da OMC parece ser uma grande furada no longo prazo das relações internacionais do governo Lula. Pode ser uma vitória temporária aprovar esse acordo que a própria UE não quer (só pra perceber como a negociação é dúbia). Entretanto, pode ser o sinal de uma grave derrota nos próximos anos, de um país isolado em seus realismos/oportunismos.

UE promete contraproposta para Rodada Doha

MÁRCIA BIZZOTO, da BBC Brasil, em Genebra (Suíça), de 26/07/2008

O comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, teve que ceder ante os ministros de Agricultura dos 27 países membros da União Européia, que criticaram neste sábado as novas propostas da Rodada Doha, consideradas por eles "desequilibradas" entre os capítulos agrícola e industrial.

Mandelson anunciou que apresentará neste domingo uma contraproposta ao texto distribuído na sexta-feira pelo diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), Pascal Lamy, com o objetivo de "desbloquear" as negociações sem desvirtuar o objetivo inicial da ronda, de promover o desenvolvimento global. A intenção é conseguir maiores concessões dos países emergentes em relação ao acesso a seus mercados para bens industriais.

Segundo a secretária de Estado francesa para Comércio Exterior, Anne-Marie Idrac, cujo país detém a presidência de turno da UE, o texto de Lamy, já aceito pelo Brasil, foi recusado pela maioria dos governos do bloco, especialmente por França, Irlanda e Itália, que teriam que reduzir em 70% as tarifas de importação mais elevadas sobre produtos agrícolas e em 80% os subsídios internos.

Apesar de Mandelson ter recebido um mandato para negociar em nome do bloco, qualquer acordo assinado por ele terá que ser posteriormente ratificado pelos governos nacionais.
Novas reuniões

Decididos a deixar Genebra com um acordo debaixo do braço, os membros da OMC concordaram em estender as reuniões, inicialmente programadas para terminarem neste sábado, até a próxima quarta-feira (30).

Ainda falta decidir questões importantes, como a lista de produtos tropicais que teriam corte mais rápido nas tarifas, o possível fim do sistema de preferências para a banana dos países do bloco África, Caribe e Pacífico, e a ampliação do sistema de indicação geográfica, todos considerados importantes para os europeus.

Neste sábado, os negociadores avaliam suas propostas em relação à proposta que está sobre a mesa e discutem o capítulo de serviços da rodada.

Apesar de afirmar que o acordo "ainda está longe de ser concluído", o comissário europeu assegura que os membros da OMC nunca estiveram tão perto disso "durante os últimos sete anos".

Brasil nega racha com aliados, mas defende acordo sobre Doha

Da Folha Online, de 26/07/2008

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, negaram neste sábado que a posição favorável do Brasil em relação à proposta feita ontem pelo diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), Pascal Lamy, para avançar nas negociações da Rodada Doha tenha criado um mal-estar seja com o G20 seja com a Argentina.

Lula negou hoje em Lisboa que tenha ocorrido um racha no G20 (grupo de países emergentes liderados por Brasil e Índia). "O G20 não sairá rachado porque isso não faz parte da estratégia que montamos. Mas temos de respeitar as diferenças que existem entre os países (...) O Brasil não quebrou nenhuma solidariedade. Nós participamos do G20, queremos que um acordo seja do interesse do G20, mas há de se convir que dentro do grupo temos assimetrias, temos disparidades enormes entre os países", disse Lula. "Os interesses dos países não são os mesmos, embora tenhamos de encontrar um denominador comum."

Entenda o que é a Rodada Doha

Já Amorim, negou que a aceitação da proposta pelo Brasil tenha criado um racha com a Argentina. "Eu tive hoje uma reunião com o ministro [argentino das Relações Exteriores, Jorge] Taiana e não me pareceu que houvesse mal-estar", disse Amorim. "Embora sejamos sócios, irmãos, amigos, aliados, cada um tem sua cabeça, cada um joga com sua cabeça."

Ontem Lamy apresentou uma proposta para tentar fazer os EUA reduzirem o teto de seus subsídios ao setor agrícola para cerca de US$ 14,5 bilhões --abaixo dos US$ 15 bilhões propostos pela representante comercial americana, Susan Schwab. O Brasil, no entanto, esperava um teto de US$ 13 bilhões. A UE (União Européia), por sua vez, teria de reduzir o teto de seus subsídios ao setor agrícola em 80%, para 24 bilhões de euros (cerca de US$ 37,7 bilhões).

"Claro que eu sei muito bem que [os argentinos] não estão satisfeitos com a proposta", afirmou. "As únicas opções a meu ver eram não ter nenhuma rodada ou ter uma rodada com equilíbrio que, sem ser o ideal, nos pareceu razoável", explicou Amorim. "Mas esta é uma questão de juízo de cada país. Eu não acho que o acordo seja o balanço ideal, nem justo talvez, mas nossa tarefa aqui não é tornar o mundo justo, é torná-lo um pouco menos injusto."

O comissário europeu do Comércio, Peter Mandelson, afirmou hoje que a Argentina tem muito a ganhar no setor agrícola dentro da Rodada Doha de liberalização comercial e nada a temer no setor industrial em caso de acordo na OMC (Organização Mundial do Comércio). "As exportações argentinas para a Europa serão muito ampliadas e a Argentina não tem nada a temer no que se refere ao acesso a seus mercados industriais", afirmou.

Segundo ele, as delegações latino-americanas mostram uma atividade amplamente positiva e são favoráveis a discutir sobre a base do pacote apresentado por Lamy. Fontes da delegação argentina indicaram que Buenos Aires conseguiu elevar de 10 para 22 o coeficiente de importações de manufaturados (quanto mais elevado o coeficiente, menores são os cortes das tarifas aduaneiras).

Propostas
Lamy ainda propôs que cada país possa deixar de fora da liberalização 12% de seus produtos a exportação. Além disso, 5% podem ficar sem nenhum corte nos direitos aduaneiros. Nos textos em discussão até agora se contempla a possibilidade de os países em desenvolvimento definirem até 14% de 'produtos especiais', segundo o coeficiente escolhido.

A cláusula contra a concentração, pedida pela Europa para impedir que os países emergentes
excluam totalmente da liberalização setores inteiros de sua indústria, poderá ser aplicada a 20% dos produtos a exportação ou 9% de seu volume de comércio.

O Mecanismo Especial de Salvaguarda, que permite a um país elevar as tarifas para se proteger de uma enxurrada de importações, poderá ser aplicado quando o volume de importações de um produto aumentar 140%. Os países em desenvolvimento poderão incluir até 4% de seus produtos a exportação na lista de produtos sensíveis, evitando corte muito alto dos direitos aduaneiros nestes itens.

Os países em desenvolvimento deverão cortar suas tarifas aduaneiras em um coeficiente que vai de 20 a 25 (quanto mais baixo o coeficiente, maior a redução).

"Melhorar o acordo"

A secretária de Estado da França do Comércio, Anne-Marie Idrac, indicou hoje que o comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, precisa "melhorar o acordo" das negociações após as novas propostas apresentadas por Lamy.

"O conselho [de ministros da UE] encorajou a comissão a dar continuidade a seus esforços para, com base nas negociações em andamento, melhorar o compromisso de acordo com o mandato do conselho", declarou, após reunião de ministros europeus do Comércio em Genebra, da qual Mandelson participou.

Idrac também falou das divisões dos Estados membros sobre as novas propostas que estão sobre a mesa da Rodada Doha.

Casa Branca
Ontem, o porta-voz da Casa Branca Tony Fratto disse que os "grandes países emergentes" precisam contribuir para um acordo na Rodada Doha. Segundo ele, os Estados Unidos, representados pela titular do Comércio, Susan Schwab, "desempenham um papel motor para fazer avançar as negociações".

Ele destacou que apesar dos avanços "problemas importantes permanecem sem solução, e nos preocupamos com a ausência de algumas grandes economias emergentes" no acordo. "É indispensável que as grandes economias emergentes contribuam para o sucesso das discussões", acrescentou o porta-voz, sem citar nomes.

Fratto destacou os "sólidos progressos" obtidos no quinto dia de discussões entre Norte e Sul sobre agricultura e produtos industriais. Isso "alentou os negociadores" a concluir as negociações.

sábado, julho 26, 2008

Teorização a serviços ideológicos

Há espaço para o conceito de neopopulismo no século XXI?

por Rodrigo Herrero

O avanço de lideranças esquerdistas (ou atribuídas como tal) na América Latina nos últimos anos contribuiu para o surgimento de uma definição teórica, muito apregoada e aceita nos meios de comunicação brasileiros e defendida pelos defensores da cartilha neoliberal, de que esses governos não seriam necessariamente de esquerda ou, se fossem, teriam um caráter predominantemente populista. Mas, sem as condições de aliança de classe como no passado, muito menos a situação favorável de industrialização do período áureo do populismo, entre 1940 e 1960.

O momento atual seria de aproveitar as massas marginalizadas, conceber políticas assistencialistas para beneficiá-las e, com os elementos personalistas e carismáticos de antigamente, estaria pronta a receita do neopopulismo. Se a esquerda identificou o neoliberalismo para designar as políticas de abertura de mercado e controle deste sobre a economia, sem a mão pesada do Estado dirigindo os rumos, a direita tratou logo de cunhar o neopopulismo, sem o mesmo cuidado teórico, para designar qualquer coisa que não seja o capitalismo em bases liberais radicais.

E podemos ver claramente a conceituação do que seria o neopopulismo no artigo do historiador Boris Fausto: “O neopopulismo emerge em outra época, no âmbito da globalização, que se tornou nítida a partir dos anos 1980. Em linhas gerais, o Estado mudou de configuração, sem deixar de ter relevância (...) e a base de apoio ao populismo mudou. A burguesia internacionalizada ou desfeita abandonou o barco populista e a fonte de apoio popular se alterou. O neopopulismo não se assenta sobre a classe trabalhadora organizada, hoje sem a importância de outros tempos, mas, sobretudo, em massas marginalizadas, predominantemente urbanas[1]”.

Isso é até considerado compreensível, devido ao fato de que, com o “fim da história” cunhado por Francis Fukuyama, o único modelo que deveria prevalecer na sociedade mundial era o capitalismo vestido dessa roupagem neoliberal. E, qualquer coisa oposta a disso, de acordo com o discurso único adotado, deveria ser caracterizado como atrasado, negativo, ruim para o mundo. E, nada melhor do que chamar qualquer alternativa à esquerda – considerada morta após a queda da União Soviética e do muro de Berlim na Alemanha – de populista, ou neopopulista, pois são conceitos visto de olhos tortos por boa parte da opinião pública e pela academia.

Ou seja, uma forma de demonizar os políticos que privilegiam políticas públicas em prol das massas mais carentes e que capitalizam os lucros dessas medidas, como todo governo costuma fazer, na verdade. Mas não, se tem uma “queda” esquerdista, é neopopulista, não é um governo democrático, de respeito às instituições (ou seria à burguesia?), etc. Falando de outros países que não possuem essa suposta inclinação populista, como no caso do Chile (o queridinho da intelectualidade) e sua Concertación[2] e a opção – que acabou vencendo – de Felipe Calderón no México[3], Boris Fausto indica essa posição: “Não se trata aqui de endossar simplesmente as figuras antipopulistas, mas todas elas, com seus méritos e defeitos, têm compromisso com a democracia”.

O discurso único impõe a necessidade de considerar perfeita apenas a alternativa neoliberal, como a panacéia para todos os problemas, o que, na prática, principalmente com o fiasco Consenso de Washington[4] adotado na América Latina na década passada, percebemos que tudo não passa de ideologia, ao contrário do que é defendido por esse modelo.

Populismo à moda antiga
O populismo marcou presença forte na história da América Latina durante as décadas de 30 a 60 do século passado e é caracterizado por Torcuato S. Di Tella, desta forma: “O populismo, por conseguinte, é um movimento político, com forte apoio popular, com a participação de setores de classes não operárias com importante influência no partido e que sustenta uma ideologia anti-status quo. Suas fontes de força são: I) elite localizada nos níveis médios ou altos da estratificação e dotada de motivações anti-status quo; II) massa mobilizada formada em resultado da ‘revolução de aspirações’; e III) uma ideologia ou estado emocional difundido que favoreça a comunicação entre líderes e seguidores e crie um entusiasmo coletivo[5]”.

As principais lideranças desse período são: Juan Domingo Perón[6], Lázaro Cardenas[7] e Getúlio Vargas[8]. Eles arrastavam multidões, levando todos para o alcance de seus objetivos, voltados, principalmente, para os menos favorecidos. Tal relação entre o povo e o “Salvador da Pátria”, que resolveria todos os problemas da nação, era quase messiânica, tanto que Perón até hoje tem status de deus na Argentina[9] e Vargas ficou para a história conhecido como o “pai dos pobres”.

Essa aliança política entre a liderança carismática e as massas tornou-se possível de ser sustentada com avanços econômicos, por conta da reunião de três atores importantes: o Estado, que iria prover todas as condições para o crescimento e o desenvolvimento nacional, investindo na indústria; a burguesia industrial, que seria a beneficiada com esse foco, alimentando cada vez mais o crescimento, aumentando o número de contratação de pessoal; e a classe trabalhadora, que abriria mão de algumas reivindicações mais profundas para obter mais emprego e melhores salários para suas categorias.

Os movimentos populistas, considerados por alguns como desvios do rumo ao socialismo e, por outros, como fato importante para o desenvolvimento industrial desses países subdesenvolvidos, que tinham como base econômica somente o modelo agro-exportador, são vistos por Gino Germani[10] como “fenômenos sócio-culturais e políticos fundamentais e característicos da época de transição da sociedade tradicional à sociedade urbano-industrial”. Octavio Ianni complementa dizendo que essa realidade complexa está mudando, mas ainda no meio de um processo de transição: “Pouco a pouco, reduz-se o peso do tradicional e cresce a importância do moderno. No limite estaria a sociedade urbano-industrial, democrática, racional, onde não haveria nem demagogos nem carismáticos. No curso da transição, entretanto, surgem os movimentos populistas, ou nacional-populares, compostos principalmente de amplas massas de escassa ou nenhuma experiência no mundo urbano”.

Neopopulismo existe?
A exposição acima demonstra que o populismo é datado de uma época específica de nossa história, com peculiaridades próprias de um tempo em que os países eram plenamente subdesenvolvidos e a alternativa que foi concebida naquele período era a de um desenvolvimento industrial pautado pelo controle do Estado sob a égide de uma liderança personalista. Portanto, por mais que se queira modificar o conteúdo para mantê-lo dentro de uma forma inapropriada, não dá para dizer que vivemos numa era neopopulista na América Latina. Esse termo é totalmente descabido de nexo teórico, cheira mais a discurso ideológico de grupos que se sentem ameaçados com o avanço de setores progressistas, esquerdistas, que trazem propostas de melhorias para a população carente desses países.

É uma grande tentação para os intelectuais de direita ou neoliberais ou qualquer outra coisa, afirmar que governos que atuam visando o bem-estar do povo são neopopulistas, nacionalistas, só porque eles se preocupam com as massas e fazem políticas voltadas às elas. “Para certas correntes ditas de esquerda, o neopopulismo (cuja expressão máxima é o regime de Hugo Chávez, na Venezuela) representa um novo caminho para o socialismo, uma ‘onda vermelha’ que se espalha pela América Latina, como se Deus escrevesse certo por linhas tortas”, escreve Boris Fausto.

A frase acima quer colocar na boca da esquerda o medo que a elite (incluindo a intelectual) possui de um avanço de governos esquerdistas como o de Chávez e a influência que isso pode ter na região. Aí, prefere-se, pelo discurso ideológico, apontar que esses governos são populistas a entendê-los como alternativas de governança ao projeto neoliberal. Mas isso é que eles não querem fazer mesmo, pois confiam cegamente no capitalismo como única opção, apesar de todas as mazelas vistas na América Latina com a aplicação desse modelo nos últimos vinte e poucos anos.

O escritor cubano, Carlos Alberto Montaner, vai mais longe em seu artigo e reforça ainda mais a tese colocada nesse texto: “Neopopulismo é o modo elegante como a região chama a esquerda terceiro-mundista. O que é isso? É uma tendência ideológica e um modo de governar que amalgamam todos os erros e vícios políticos alegre e inutilmente praticado pelos latino-americanos ao longo do século 20: caudilhismo, clientelismo, estatismo, coletivismo e antiamericanismo, aos quais, em certos países com forte presença indígena, agrega-se hoje o rancoroso componente indigenista[11]”.

Como se vê, é fácil colocar tudo dentro de um mesmo saco e atribuir-lhe um valor igual a questões diferentes. No entanto, cada país deve ser analisado separadamente. Não dá para dizer que Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Lula no Brasil, Tabaré Vasquez no Uruguai, e López Obrador e Ollanta Humalla, caso fossem eleitos, respectivamente, no México e no Peru, são todos neopopulistas, esquerdistas, anti-democráticos, que se aproveitam dos pobres para ganharem vantagem nas próximas eleições e fortalecer seu poder de forma hegemônica no Estado. É preciso diferenciar o discurso sério daquele único, que julga tudo como uma coisa só e imprestável.

Também não dá para afirmar que esses governos são revolucionários, que propõem um caminho para o socialismo. No caso brasileiro, por exemplo, é perceptível o rumo do governo Lula que não tem nada de esquerdista, populista, pois atende, cada vez mais, aos interesses da burguesia, apesar de dar migalhas às parcelas marginalizadas da sociedade. Seu pacto não é apenas com os desfavorecidos, pois ele depende da base burguesa nacional e internacional para se manter na presidência, o que inviabiliza, de cara, o tal conceito neopopulista, já que sua sustentação ocorre com o compromisso aos acordos internacionais e com o lucro dos bancos, por exemplo.

A briga na Bolívia, a princípio, tem mais cunho étnico e de classes do que um neopopulismo. Isso porque, Evo tenta governar para a parcela mais excluída da história da Bolívia, que são os índios, mais da metade da população daquele país. E recebem, em contrapartida, a oposição da burguesia industrial de Santa Cruz de La Sierra e região, que deseja maior autonomia para seus departamentos[12]. Chávez, por sua vez, superou a oposição local e tem um forte apoio da população, o que seduz qualquer teórico a classificar como neopopulista. Mas não há apenas massas amorfas recebendo benefícios do governo, isso é subestimar e muito a participação do povo venezuelano no processo histórico que está se desenvolvendo naquele país. Graças a participação popular, os resultados na educação, na saúde, avançam de forma significativa e trazem esperança, na prática, para as classes menos favorecidas que não conseguiam observar progressos antes dos chavistas conquistarem o poder, de forma legítima, diga-se, nas urnas.

Por tudo isso, dizer que um governo é neopopulista por ter um líder que discursa muitas vezes e faz política para os pobres é de um reducionismo e também de uma leviandade sem tamanho. Por isso, acredito que esse termo “neopopulismo” nem deveria existir, muito menos ser aplicado no século XXI, pois sua fundamentação teórica não se sustenta numa análise profunda dos fatos. Essa palavra deve ser jogada na lata de lixo da história, assim como as experiências neoliberais que, essas sim, afundaram a América Latina nos últimos anos e ainda persistem em vigorar em certos países, como o Brasil, atravancando um desenvolvimento elevado. Até por esse exemplo brasileiro, não dá para dizer que as propostas atuais de governos latino-americanos sejam a solução final, pois não são. Contudo, não devem ser confundidas com algo que também não se enquadram, apenas para atender a interesses de classe de quem define de forma a distorcida as coisas.
[1] FAUSTO, Boris. O neopopulismo na América Latina. Folha de S. Paulo, 17 de fevereiro de 2006.
[2] Aliança entre o partido socialista e o partido democrata-cristão, que governa o Chile há 16 anos, desde o fim da ditadura de Pinochet.
[3] Felipe Calderón (Partido da Ação Nacional) venceu as eleições de 1º de julho, superando seu opositor, López Obrador (Partido da Revolução Democrática), este, considerado populista pela maioria da imprensa internacional e brasileira. Até agora, Obrador contesta o resultado final e mobiliza sua militância para uma recontagem dos votos.
[4] Documento criado a partir de uma reunião em 1989 na capital dos Estados Unidos entre acadêmicos e economistas estadunidense, funcionários do governo, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Neste documento rezam as seguintes “recomendações”: disciplina fiscal, reforma tributária, taxas de juros positivas determinadas pelo mercado, câmbio competitivo, desenvolvimento de políticas comerciais liberais, maior abertura ao investimento estrangeiro, privatização, profunda desregulamentação, proteção à propriedade privada.

[5] TELLA, Torcuato S. Di apud IANNI, Octavio. A Formação do Estado Populista na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
[6] Perón presidiu a Argentina entre 1946 a 1955.
[7] Cardenas comandou o México entre 1934 a 1940.
[8] Vargas foi presidente em dois períodos: 1930-1945 e 1951-1954.
[9] Como exemplo, o partido criado por ele não é conhecido na Argentina como Justicialista, mas sim, peronista.
[10] Octavio Ianni usa como referência de Germani o texto Democracia Representativa y Clases Populares em la América Latina, publicado por Alain Touraine y Gino Germani, América del Sur: Um problema Nuevo, Barcelona: Editorial Nova Terra, 1965.
[11] MONTANER, Carlos Alberto. O capitalismo andino-amazônico e suas criaturas. O Estado de S. Paulo, 20 de fevereiro de 2006.
[12] Departamentos podem ser entendidos no Brasil como os Estados.

Observação: Texto feito para a Pós-Graduação de Política e Relações Internacionais da Fundação Escolaa de Sociologia e Política de São Paulo (FESP) em 2006 e publicado no mesmo ano no Rabisco.

domingo, novembro 04, 2007

Carteiras vazias

Salário mínimo é uma dos grandes absurdos do Brasil

Rodrigo Herrero

O salário mínimo no Brasil é uma dos grandes absurdos existentes nesse país-continente. Trabalha-se demais para se conseguir quase nada em remuneração. Enquanto alguns empregos se paga demais, em outros, e não menos importantes, o valor destinado chega a ser vergonhoso.

Hoje o salário mínimo está em irrisórios R$ 380,00. E o mais incrível é que, em todos os anos, demoram-se meses de debates encarniçados no Congresso Nacional (e choradeira do governo federal, não importa de qual partido, para não aumentar muito e “prejudicar” a arrecadação) para estipular um aumento de 20, 30 reais em cima da gorjeta já imposta. E de cima abaixo os trabalhadores simples sofrem.

Enquanto isso, os que votaram esse aumento ridículo, aprovam acréscimos vultosos para suas próprias contas bancárias, como foi visto recentemente. Afinal de contas, a profissão é das mais vitais para a sociedade, nada melhor que gastar milhares de reais com desocupados que passam boa parte do tempo discursando e negociando votos.

Diferença absurda
A diferença entre salários é refletida no relatório Hierarquia e Desigualdade Salarial na Administração Pública Brasileira, divulgado no último dia 18 de outubro pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em que é revelada que a disparidade entre o menor e o maior salário no país é de 1.714 vezes. O estudo tem como base os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2006, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Por exemplo, na iniciativa privada, o maior salário verificado pelo estudo foi de R$ 120 mil, de um dirigente na Região Sudeste, onde também foi encontrado o menor, de R$ 70 mensais, recebido por um trabalhador do setor de serviços. E depois dizem que a desigualdade no Brasil está diminuindo. Precisa saber onde e em que níveis isso está ocorrendo.

O presidente do Ipea, Márcio Pochmann, declarou para a Agência Brasil ser “injustificável” essa desigualdade, por conta que a diferença máxima averiguada nos países em desenvolvimento é de 20 vezes, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Ou seja, apesar dos parcos e limitados avanços da economia brasileira, ainda há muito a se fazer em prol de uma maior igualdade, em que os que ganham pouco passem a ganhar mais e aqueles que recebem horrores sejam destituídos de valores tão aviltantes e comecem a receber algo mais condizente com o que fazem.

Fonte: Portal Padre Marcelo Rossi

domingo, outubro 28, 2007

O problema são os juros

Bancos lucram com taxas, enquanto população se endivida cada vez mais

Rodrigo Herrero

Um tema recorrente nos dias de hoje se refere aos juros. Seja relativo ao cartão de crédito, a uma compra no crediário, a um empréstimo feito a uma financeira, ao que é (absurdamente) cobrado pelos bancos, ou mesmo a taxa de juros Selic (para entender mais sobre o tema, clique aqui), que vive como tema de discussões acaloradas nos meios de comunicação na ciranda partidária.

Os juros baixos possibilitam que os produtos se tornem mais acessíveis às grandes massas de trabalhadores que ganham pouco e não reúnem condições de adquirir produtos à vista e recorrem a financiamentos, empréstimos ou crediários de todo o tipo. O aumento do consumo aumenta a lucratividade das empresas, que podem investir em sua estrutura e, conseqüentemente, crescer, o que torna possível a contratação de mão de obra, diminuindo o índice de desemprego, fazendo com que mais pessoas tenham renda, podendo comprar, aumentando o consumo...

Enfim, essa verdadeira ciranda de consumo/investimento/emprego é importante para o crescimento do país e para uma melhor distribuição de renda. Claro que somente a redução dos juros não resolve todos os problemas, é preciso que o governo incentive a produção, realize obras de infra-estrutura (como a construção de portos e aeroportos, estradas, ferrovias), que as empresas não segurem somente os lucros, que invistam e contratem mais pessoas. Que os novos trabalhadores consumam mais e, para isso, que os juros permitam isso.

O problema é, que se os juros da taxa Selic têm sido reduzidos sistematicamente, ainda que de forma tímida pelo governo, os juros praticados pelos bancos são, na verdade, impraticáveis. Por exemplo, na pesquisa feita em setembro pelo Procon de São Paulo, a taxa média dos bancos pesquisados foi de 5,27% ao mês, representando quase nenhuma variação em comparação ao mês passado.

Só que o Procon faz uma ressalva quanto a esse número: “essa manutenção temporária das taxas, na prática, não altera a situação do tomador de crédito, que continua a pagar uma das maiores taxas de juros do mundo. A expansão do crédito, de um lado, permitiu que um maior número de pessoas tivesse acesso a várias linhas de financiamento, mas, de outro, encorajou o aumento do consumo sem o correspondente aumento da renda. O resultado foi a ocorrência de altos índices de endividamento. A orientação ao consumidor é que o planejamento criterioso do orçamento continua sendo a melhor atitude a ser tomada”.

Crédito farto
É histórico o tanto de crédito que está disponível na praça nos dias de hoje. O governo atual fez um enorme esforço para facilitar o acesso ao crédito pelas camadas mais pobres da sociedade (o que elas fazem, se estão instruídas para tal ou se acabam por se endividar ainda mais, ninguém se importa), só que os juros e as taxas bancárias e de financeiras emperram um maior acesso.

Cobra-se por tudo, se incentiva que as pessoas recorram ao crédito, e nessa hora facilitam tudo. Mas na hora de acertar o pagamento, o cliente vai reparar que caiu numa cilada e simplesmente não consegue pagar os juros impostos por financeiras e bancos. Cartão de crédito, então, nem pensar. Os valores exorbitantes tomam o salário da pessoa, que não conseguiu reunir o dinheiro necessário para pagar toda a fatura. No mês seguinte, os juros são implacáveis, causando uma verdadeira bola de neve para o consumidor, que não consegue mais pagar, muito menos adquirir um novo bem, encurralado em meio a tantas dívidas.

A falta de controle ante as ofertas, o incentivo ao consumo desenfreado e descartável, aliado a taxas impraticáveis de juros, impossibilitam que o trabalhador tenha como se sustentar, aumentando a precariedade dos empregos oferecidos e a disputa quase servil por trabalho e cargos, sem falar na explosão do comércio informal, sem garantia alguma a quem envereda por essa, por vezes, única via de conseguir dinheiro.

É preciso que se tenha um controle maior sobre os juros cobrados pelos bancos, pois, não há como incrementar ainda mais o consumo se o trabalhador não tem verba para comprar. Se o governo é chamado a reduzir a taxa da Selic para aumentar os investimentos a partir do mercado financeiro, é essencial que o governo cobre para que todos assumam uma parcela da conta. Dificilmente um banco faz esse tipo de corte em seus dividendos, mas é preciso que eles assumam tal responsabilidade, já que, mês a mês, são noticiados nos jornais os balanços dos bancos, com lucros cada vez maiores.

Fonte: Portal Padre Marcelo Rossi